Este texto relaciona-se com artigo anterior, publicado aqui no blogue, em que trato dos atos de fala e a linguagem jurídica. Neste, retomo o que lá foi discutido e trago novas considerações sobre a Teoria dos Atos de Fala, do filósofo inglês John Langshaw Austin ( 1911 -1960), a partir da leitura de seu livro How to do Things with Words (Como fazer coisas com as palavras), de 1962. Há uma tradução do livro em português feita por Danilo Marcondes de Souza Filho, com o título de Quando dizer é fazer, publicada pela Editora Artes Médicas, infelizmente esgotada há muito.
Como essas conferências eram destinadas ao público geral e não apenas a seus parceiros filósofos, a linguagem utilizada no livro, em princípio, não oferece muitas dificuldades, isso não significa que o livro de Austin seja de leitura fácil. Pelo contrário, dada a originalidade e profundidade dos conceitos apresentados, a compreensão do texto requer bastante esforço por parte do leitor.
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O livro de Austin apresenta um caráter bastante inovador. De todas as ideias apresentadas pelo filósofo inglês, sem dúvida alguma, a que mais chamou a atenção e a que teve maiores desdobramentos foi a que usamos a linguagem não apenas para transmitir informações. Austin destaca (e o título da obra já permite antever isso) que a linguagem também é usada para praticar ações, ou seja, dizer é também fazer, no sentido de que se tenta, pela linguagem, agir no comportamento do interlocutor.
Para Austin, a linguagem não tem apenas uma função constatativa, ou seja, ela não é utilizada apenas para descrever o mundo das coisas e dos acontecimentos, ela também é uma forma de ação intencional. Ao se usar a linguagem, não apenas se diz alguma coisa, mas também se faz algo. Para Austin, todo dizer é um fazer. A teoria dos atos de fala não focaliza a sentença, mas o ato. Isso deixa claro que as considerações que Austin faz sobre a linguagem estão além do linguístico; trata-se, como se afirmou, de uma visão filosófica sobre a linguagem.
Pelos atos de fala, realizamos uma ação semântica, ou seja, pela enunciação linguística, o falante expressa conscientemente uma determinada significação. Além disso, essa ação semântica ( o dizer algo) é produzida com determinada intenção (ordenar, advertir, censurar, condenar, absolver, ironizar, batizar, prometer, etc.). Os atos de fala têm, portanto, propósitos pragmáticos. A linguagem é vista como forma de ação e não de simples representação.
Em sua primeira conferência, Austin estabelece uma distinção importante entre os atos de linguagem. Atos constatativos e atos performativos. Os primeiros narram ou descrevem algo; os segundos fazem algo. Para entender a diferença observe-se que certas expressões em determinados jogos, como truco, passo, bati, xeque, dobro, etc. não são usadas para descrever ou narrar o jogo, mas para expressar as ações que os jogadores realizam durante a partida, tanto que, ao pronunciá-las, altera-se o status do jogo; têm, portanto, caráter performativo. Para tornar clara a diferença entre ato constatativo e ato performativo compare as sentenças abaixo.
A linguagem é o ponto mais abrangente quando se fala em linguagem, língua e idioma. Pense da seguinte maneira: a linguagem é um guarda-chuva e sob ele temos a língua, a fala, o dialeto e as variações linguísticas.
A linguagem vai muito além do que imaginamos sobre ela. A nossa comunicação apresenta determinadas funções dentro do processo comunicativo que dependem de muitos fatores, como o contexto empregado, a pessoa que fala, sobre o que se fala e como se fala.
Pode também variar conforme o contexto: veja a diferença entre a língua falada e a escrita. Cada contexto, local e situação possuem as suas particularidades e isso se transmite à linguagem. Por isso, o preconceito linguístico é um assunto tão debatido hoje!
11 A língua, ao contrário, é um todo por si e um princípio de 12 classificação. Desde que lhe demos o primeiro lugar entre os fatos 13 da linguagem, introduzimos uma ordem natural num conjunto que 14 não se presta a nenhuma outra classificação.
15 A esse princípio de classificação poder-se-ia objetar que o 16 exercício da linguagem repousa numa faculdade que nos é dada 17 pela Natureza, ao passo que a língua constitui algo adquirido e 18 convencional, que deveria subordinar-se ao instinto natural em vez 19 de adiantar-se a ele.
Se a pessoa surda é excluída da comunicação verbal por não ouvir, deixa de possuir formas de reflexão em torno da realidade que se produz graças à linguagem verbal. Assim, a linguagem é o fator fundamental de formação de consciência. Portanto, a surdez não deve ser uma barreira sem solução, mas um fator social, sério, significante e que não pode passar despercebido.
Antes de partir para a descrição da história da Língua Brasileira de Sinais, cabe ao entendimento dessa análise, uma resumida leitura sobre três aspectos norteadores em qualquer discussão sobre o fenômeno linguístico: a linguagem, a língua e a fala. São elementos que se complementam, porém, possuem distinções elementares, embora, para alguns estudiosos como Ernani Terra (1997, p. 12), a distinção que se faz entre linguagem, língua e fala tem caráter meramente metodológico, uma vez que esses três conceitos revelam aspectos diferentes de um processo amplo, que é o da comunicação humana.
A linguagem é todo sistema de sinas que nos permite realizar atos de comunicação: a linguagem convencional, utilizadas pela maioria das pessoas; a linguagem dos surdos; a linguagem dos sinais de trânsito, etc. Porém, diante da diversidade, a linguagem, está dividida em duas categorias: a verbal, cujos elementos de comunicação são as palavras; e, a não-verbal, cujos elementos são os sinais.
A fala, segundo Terra (1997), é um ato individual de vontade e inteligência. A fala é o aspecto individual da linguagem humana. A maioria dos atos de comunicação humana são realizadas através da fala.
Retornando ao ensaio sobre a tradução, podemos compreender como as traduções se inscrevem na história, para Benjamin, por um entrelaçamento com essas concepções sobre a linguagem. A princípio, há uma relação entre a língua do original, seu modo de visar e o texto original, relação que é seu próprio vínculo vital, sua própria traduzibilidade, que exige a tradução, mas que permanece, ao mesmo tempo, intraduzível: "a relação que o teor estabelece com a língua é completamente diversa no original e na tradução. Pois, se no original eles formam certa unidade, como casca e fruto, na tradução, a língua recobre seu teor em amplas pregas, como um manto real." (Benjamin 2013: 111). Se há uma conexão vital no original, a metáfora do manto real não diz respeito apenas a uma artificialidade do texto em tradução, mas também ao acontecimento histórico que aí se concretiza. Como escreve Gagnebin, "[c]om a história intervém, portanto, a violência, o arbitrário, a estranheza, mas também, e inseparavelmente, a majestade de uma dinâmica que transforma cada língua supostamente 'natural' numa outra, mais alta que ela mesma." (2013: 24).
Assim como tom e significação das grandes obras poéticas se transformam completamente ao longo dos séculos, assim também a língua materna do tradutor se transforma. E enquanto a palavra do poeta perdura em sua língua materna, mesmo a maior tradução está fadada a desaparecer dentro da evolução de sua língua e a soçobrar em sua renovação. (Benjamin 2013______. Escritos sobre mito e linguagem. Trad. de Susana Kampff Lages e Ernani Chaves. São Paulo: Duas cidades; Ed 34, 2013.: 108)
Com isso em vista, a necessidade histórica das traduções não pode ser explicada, em meio a essa constelação de textos benjaminianos, apenas por uma noção de reprodução do original. Não se trata de repetir na língua do tradutor o que o original fez em sua língua. Benjamin escreve: "a finalidade da tradução consiste, por último, em expressar o mais íntimo relacionamento das línguas entre si." (Benjamin 2013: 106). Este relacionamento íntimo das línguas, como argumentei acima, vincula-se à própria instauração da justiça na história. O tradutor entende-se, assim, como o historiador que busca na história das línguas alguma visada capaz de abrir uma fresta que possa dar lugar à justiça em seu presente. O original se utiliza das formas de visar de sua língua para delinear seu objeto visado, de uma forma precisa e singular, o que não significa uma clareza absoluta na designação seu visado, que permanece ainda sempre envolto por sugestões e intuições. A tarefa do tradutor consiste em encontrar na língua para a qual se traduz a intenção a partir do qual o eco do original é nela despertado" (Benjamin 2013: 112). A tradução, assim, embora evidencie um estranhamento entre aquele modo de visar do original e a língua da tradução, pode tornar manifestos, pelos modos de visar desta, novas feições do visado, aquelas que permaneciam na penumbra sob a luz da língua original: "Existe uma maturação póstuma mesmo das palavras que já se fixaram: o que à época do autor pode ter obedecido a uma tendência de sua linguagem poética, poderá mais tarde esgotar-se; tendências implícitas podem surgir como novas da forma criada." (Benjamin 2013: 108). Essa é a nova vida que a tradução dá ao original, um novo desenvolvimento de suas potências pela explicitação de um modo de visar antes apenas indicado ou intuído, mas também uma nova vida para a língua do tradutor, uma nova abertura e uma nova sintaxe que aí se inscreve: "[e]m nome da pura língua, o tradutor rompe as barreiras apodrecidas da sua própria língua" (Benjamin 2013: 117). Uma nova tradução pode, assim, trazer um novo fôlego para a língua materna do tradutor, novas formas de ver as questões que ela carrega, outras possibilidades para se encarar o destino e a justiça. 2ff7e9595c
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